sábado, junho 18, 2016

RETORCIAS OS MOMENTOS

O teu longo cabelo era um espaço de tempo.
Com a ponta dos dedos, nele, retorcias os momentos. Em movimentos circulares. Enrolando-os. Como se a circularidade concêntrica do gesto, fosse capaz de reter no seu centro (que eras tu) a magnitude dos segundos infinitos. Aqueles. Em que na tua pele, todos os momentos ocorriam e tudo te pertencia.

Retorcias os momentos, enrolando-os com os dedos.
Prendendo-os em ti. Encurralando-os no tempo. Não para que o tempo parasse. Mas para que o seu avanço não desfizesse a magia das marés. Nem do sonho (que era eu). Não o escrevias nas páginas porque o querias só teu. E as páginas são efémeras, mas o sentimento não. Dizias.

Retorcias os momentos e escrevia-los em ti.
Enquanto ao longe a gaivota. Enquanto em nós o pulsar e o sangue. E sorrias.

sábado, junho 11, 2016

QUASE

Olho-te no soslaio de uma certeza de quase te ter tido em completo, apenas para mim.
Na incerteza de um acidente que quase não aconteceu, ficou a certeza do choque que as tuas mãos provocaram no meu corpo.

Para mim, serás a eterna dúvida que o teu odor me dá. Como uma certeza.

Nas noites em que juntos quase dormimos, elevamo-nos a um estádio maior, nos lugares onde as mãos aconteceram. E na emoção das memórias quase diariamente revividas, surges como o todo de um sentir que, quase foi nosso.

E o mundo, que quase se vergou a nós e à explosão do que fomos, quase ficou deserto no grito que se soltou, quando tu te despediste de mim.

Eu, que quase morri no momento em que me apercebi que tu apenas quase ficaste, abandonei-me em prostração ao desvario dos meus pensamentos, em todos os momentos que, no mais fundo da tua ausência, quase te conseguia sentir.

E quase consegui ficar no mesmo lugar.
Mas a ausência dos teus sítios em mim, deixaram-me vazio ao ponto de quase não conseguir respirar o ar, daquele lugar que quase foi nosso.

E quase consegui continuar a fazer as mesmas coisas.
Mas os teus gestos impregnados em mim, quase me transmitiam a tua omnipresença, não me permitindo avançar.

E… quase consegui continuar a ser eu.
Mas eu quase não existia sem ti. Sem o calor do teu olhar. Sem o toque da tua pele. Sem o som do teu sorrir.

E foi então que me apercebi. Apercebi-me que não fazia sentido continuar apenas a quase viver.
Tu tinhas fugido para longe de mim. Levaras o teu corpo. O teu odor. O teu olhar. As tuas palavras. Todos os meus sentires e quase a minha sanidade, em todos os momentos que pensava:
… quase fomos “nós”!

E agora, que apenas em pensamentos existo, quase vivo em ti. Dentro de ti. Por ter sido esse o lugar onde me guardaste, quando soubeste que eu partira. Eu. Por não ter sabido viver. Sabendo que apenas quase te tinha tido!

E ironicamente, com isso, agora posso dizer que, finalmente:
… quase somos “nós”!

sábado, junho 04, 2016

PESO

É tremendo todo este peso que se apoia sobre os meus pés. Ando. Corro. Mas o peso é maior.
Tenho esta cabeça. A minha cabeça. Com tudo o que está dentro dela e teima em sair. E teima em ficar. Em me tomar. Como um todo. Minhas mãos querem ser mais. Maiores. Mas é o peso. Este peso. Que me domina. Olho em volta. Quero ser outro. Neste momento não quero ser eu. Outro. Um pássaro. Porque há pássaros livres. Sem peso. Mas não sou. Sou eu. Não sou pássaro. Sou chão. Peso. E raízes. E tudo isto que está dentro da minha cabeça. E não sai.

Há momentos tudo era alegria. Expectativa. Futuro. Ouro por cima. Neste momento tudo é peso. Tremendo. A grande roda da vida levou-me. Tirou-me de casa. E eu fui. Confiante. E agora não me encontro. Procuro-me. Não sou eu. Não percebo. Não me percebo. Não me quero. Quero-me outro. Mas não o sou. Continuo. Ao fundo vejo um rio. Parece fluir. Correr em direcção ao mar. Seu fim. Sinto-me na corrente. Com o percurso já completo. No fim. Mas não estou. Trago-me para cima. E permaneço. E as palavras não são nada. Nada mudam. Mas são tudo o que me resta. E por isso elas. Na boca. Em desagrado. Em desgosto. Na distância. Mas única coisa. Como coisa única.

Quero sair. Desaparecer. Mas não posso. E continuo. E permaneço. E sou eu.