sábado, dezembro 31, 2016

METÁFORA

E eis que termina. Apagam-se as luzes. O pano baixa. E atrás dele vês o público ir. Um a um. Lentamente todos seguem em direção à saída. Oposta a ti. Deixam-te só. Atrás do pano. Mas ainda assim, no palco. Onde não és nada depois do aplauso. Vazio após clímax. Final de jornada. Em rotina.

Continuas a ser tu. Falas ainda decoradas. Arte ainda em rubro. Mas inúteis após o final. Agora nada mais és para além de ti. Despido de função és apenas tu. Ilha. Solo de piano. Ser em evidência. Num momento o centro de todas as atenções, no seguinte sem ninguém que te olhe. Que te fale. Te veja como és. A ti, não a uma personagem. Te acarinhe como precisas. A ti, não a uma personagem.

Atrás do pano, a sós contigo mesmo, encontras-te sem que te procures. Vês-te sem que te olhes. Sentes-te sem que te toques. E no cruzar de ti, do que és com o que fazes, apenas um calor:

O saber que depois de cada final, há um novo (re)começo!

sábado, dezembro 17, 2016

TARDE DE VERÃO

De repente, ali estávamos nós.
Uma mesa frente ao rio. A chávena do café do cliente anterior. As tuas mãos. A água ao fundo. O Sol. A calçada. O teu cabelo. Tudo ali era nosso. O chilrear dos pássaros. O teu pescoço. Um novo passado em construção. E toda uma vida lá atrás. Quando tu

- Gosto das tuas mãos.
E eu a pensar em todas as coisas. Nas que as tuas palavras me diziam. Naquelas que te poderia dizer. Nos teus dedos. Nos teus lábios. Na tua pele.

- São perfeitas. Embora pequenas.
Quando ali a perfeição eras tu. E todo eu pequeno perante ti. Tentando crescer. Ser maior. Em palavras. Em ser.

Depois os lábios. O amor. O querer e todas as vontades.
Fomos cama. Fomos chão. Fomos serenidade em desvario. Todos os gostos. Gozo. Dádiva. Ternura. Animais. Pedaço de tempo finito. Até que a Lua.

- É tarde. Tenho de ir.
E tudo ainda por dizer. Tudo ainda por fazer. Um passado novo. Um diferente nós. Declarações de vontades. Amanhã.

Saímos e não mais o rio. Não mais os pássaros. A chávena do café, nem a calçada.
Agora tudo era tempo. Em falta. Em correria. Para mim. Para ti... não sei. Embora tu

- Queria prolongar este momento eternamente.
Enquanto os beijos em despedida. Os olhos em despedida. As mãos em despedida.
O teu corpo em definitivo.

O novo passado não se escreveu. O presente continuou. Em vidas. Em manutenção.
Mas ficou mais doce. Em memória. Em pele. E em sorriso.

sábado, dezembro 10, 2016

QUANTO FICA

Do tudo que dás, quanto guardas em ti?
Qual a reserva com que ficas para o após? Para a partida? Separação? Para a dor?
E da vida que fica quanto ainda és tu? Sobram palavras, ou apenas espaços? As Pausas. Todas.

És sempre o tudo em que te dás? Deixas que levem o melhor de ti?
Ou guardas-te em baú? Em proteção de ti? Em controle?

Controlas? Controlas-te?

É na esteira do barco que vive a espuma. E é nela que os peixes formulam os regressos.
A esteira existe, quer o barco passe rápido ou devagar. Mas é na pressa dos dias que a esteira é maior. A espuma mais densa. Em êxtase. Em absoluto. Em tempo. Mas sem pensar no regresso. Sem pensar no ficar. Nos lugares. Ou nas pessoas. Nos nomes em que nos tecemos.

Ficamos com o barco, com o mar e com as memórias porque esses não partem. Mas as nossas partes sim. Com os peixes que regressam ao longo da esteira. E as levam como se fôssemos deles. Pedaços nossos alheios de nós. E ficamos vazios. No vazio. Num para sempre finito.

Controlas? Controlas-te?

Eu não quero retalhos de mim. Quero-me inteiro. Quero-me em sempre.
Quero-me em ti. Todo. No teu nome. No meu nome. Em todos os nomes de todos em que me teço. Não me quero em cuidados de dádiva. Em resguardo. Em controle. Quero-me em esteira larga. Sempre. Agitada. Espuma densa. Em regressos ternos. Em cuidados raros. Em todos os nadas plenos de tudos.

Quanto fica do tudo que dás? Não sei. Só sei que dou tudo. Esperando que retorne tudo.
Mesmo sabendo, que tu não retornarás.

sábado, dezembro 03, 2016

TU E O MEU BOLO DE CHOCOLATE

Quero começar por te dizer que não gosto de bolo de chocolate. É daquelas coisas que pelo excesso me causam arrepios. Não me convencem. E para mim, um verdadeiro bolo de chocolate, tem de pecar em muito. Pelo excesso. Pelo absurdo até! Ou então, não é merecedor do nome.

O bolo de chocolate tem de encher. Preencher. Transbordar todas as medidas. Tem de ser provocador ao olhar. Tem de despertar todos os nossos sentidos e (até) a nossa líbido, pelo desejo (selvagem) de simplesmente: o DE-VO-RAR. De uma só dentada. De uma só vez. Por inteiro. Sem ses nem porquês.

E depois… demorá-lo na boca.
Acariciá-lo com a língua. Em deleite. Sentir-lhe todos os aromas. Todos os pequenos pormenores. Todos os seus compostos até a partícula mais ínfima.
E no final: fechar-nos os olhos e rasgar-nos um enorme e descomprometido sorriso nos lábios!

Eu, eu não gosto de bolo de chocolate.
Eu Amo-te!

sábado, novembro 19, 2016

UMA VOZ

Primeiro foste a promessa de uma voz. Serena. Melodiosa. Sem te conhecer e sem ti, assim me foste descrita. Como um som. Omitindo — se calhar porque não sabiam — que a tua voz é (muito) mais do que isso. É calor. É sorriso. A tua voz tem um sorriso que a diz. Que a precede. Que a anuncia e que a suporta.

Assim nascemos um para o outro. Pequeninos. Em voz. Sorrisos e calor.

Mas o calor da tua voz provém (hoje sei-o) de um coração largo. De dádiva. Em serenidade e em gosto. E por isso, as mesmas palavras ditas por ti, nunca são aborrecidamente iguais. Antes afagos. Brisas primaveris. Prazeres renovados. E com esta (conveniente) desculpa de co-existência pelas palavras, fomos crescendo. Um para o outro. Um com o outro. Em constantes propostas mudas de entendimento. Daquilo que o outro é.

Com o tempo, tornaste-te um pólo afastado de mim. Alguém que está na extremidade da minha voz. Na ponta dos meus dedos. Mas sempre dentro do meu ser. No centro das minhas palavras. Em sorriso.

Hoje, tenho-te em amizade. Em consciência de vida. Lado rico da humanidade.
E hoje, contigo, mesmo que por vezes (muitas vezes, demasiadas vezes) sem voz, eu existo.
E escrevo. Para te dizer. Mesmo sabendo que o calor não se escreve. Só sorri. Sempre.

sábado, novembro 12, 2016

ENCONTRA-ME

Procura-me. (e por favor) Encontra-me. Estou naquele lugar que toda a gente conhece, mas ninguém sabe onde fica. Tu sabes onde eu estou. Eu não. Habita os meus dias. Aqueles. Que acontecem totalmente em mim. Apenas por dentro. Em garfos. Sob os cascos do tropel de mil cavalos.

Olha bem para mim.

Não sejas como o espelho que se enfastia. As suas imagens têm travo a carne seca. A ideias gastas. Desilusão de vida. Língua que mordo. Portas que batem sem se abrir. Sentimentos espalhados pela rua, que a chuva leva.

Se soubesses…

Não são os dias que são sombrios. Não são os sons que são tristes. Não são as flores que murcham nem as palavras que me prendem. SOU EU! Eu é que existo a ferros. Sou todo espinhos. Peso. Noite. Em tempestade(s). Gastas.

Hoje quero-te.

Hoje quero chamar-te meu. Mas eu sei que nunca serás meu. Serás apenas tu, de passagem em mim. E quando a tua estação terminar, ficarei novamente e uma vez mais apenas eu. Vida só. Sem rede. Ser pasmado. Mas não incrédulo. Porque a minha existência não é de ilusão. É terra. É pedra. Dureza de existir. Dor de acontecer.

Procura-me. (e por favor) Encontra-me. Mas não me fales. Dá-te com um sorriso apenas.
Só assim será mais fácil. Quando o mar apagar o teu nome, que eternizarei na areia molhada.

sábado, novembro 05, 2016

ÚLTIMO BEIJO

Rente aos teus olhos acordei com um aroma de pele. Mudo, o tempo, levou de si toda a significância. Eram mares que nos continham em margens e no entanto, era em lago que existíamos. Tu, numa delicadeza de flauta. Eu, em força de tambor. Mas quando juntos, éramos sempre melodia de piano, feita orquestra de um só músico. Sem maestro. Sem regência. Ao ritmo apenas das nossas vontades.

Partimos cedo ao encontro do tempo. Do nosso tempo. Aquele que imagináramos e quiséramos para nós. Mas que não o soubemos fazer nosso. Responsabilidades. Dizias tu. Vida. Respondia-te eu. E no nosso desconhecimento, não sabíamos que um conspirava contra o outro. Sei que não nos permitimos destruir os nossos castelos. Mas eles ficaram vazios. E a tua inexistência nos espaços deles, tornou-os frios. Agrestes. Antípodas do que projectáramos. Alheios.

Foi um ar de surpresa que fizeste, quando na divisão final de memórias te disse que para mim, apenas queria um último beijo teu. Não quis deitar fora tudo o resto. Isso nunca se perderá. Apenas quis algo mais. Não um ponto final. Mas um final maior. Em beijo. E foi quando ainda surpreendida acedeste, que rente aos teus olhos acordei com um aroma de pele. Da tua pele. Mas sabia-me atrasado. Em vida. E que não era manhã, com ela toda pela frente, mas antes noite. A nossa noite. Em hora de despedida.

Foi rente aos teus olhos que com o aroma da tua pele acordei. Mas já era tarde.
No nosso diário nada mais se escreverá. Mas ele está todo preenchido.
E levo-o comigo. Em sentires.

sábado, outubro 29, 2016

O FIO INVISÍVEL

As mãos pararam e tudo então era nosso. O Verão que entrava pela janela. O canto dos pássaros. Os teus cabelos. O teu nome no ouro dos meus dedos.
Os teus olhos diziam de nós, como as gaivotas do mar. O salto que nunca tínhamos dado, era agora coisa conseguida. E eu, tão pequeno para albergar todo o momento, era fonte infinita.

Éramos passado, presente e futuro. E tudo se resumia a nós. Sem nada interferir. A vida plena. Em beleza. De nós. Todos os quereres. Todas as vontades. E tu.

O verão passou. Muitos. Décadas. Muitas luas. Metade do limoeiro secou. Em silêncio.
Mas ainda te tenho gravada em mim. Como o teu nome no ouro. Que permanece no meu dedo. Em orgulho. Fonte interna.

Porque não estás aqui?

sábado, outubro 15, 2016

NÃO SEI O QUE VISTE

Quando nasci, não estava um lindo dia de sol. Foi numa manhã fria e cinzenta. De nevoeiro cerrado. Onde nasci, o mar não banhava a praia. Foi no meio de serras. Altas. Feitas muros. Impossibilidades. Não nasci num berço dourado. Numa clínica branca. Esterilizada. Em braços estranhos. O corpo de minha mãe vomitou-me. Num espasmo. Em cima de uns lençóis fétidos das horas. Dos seus líquidos.

E fiz-me fechado. E escuro. E rodeei-me de barreiras. E fiz-me vómitos de palavras. Fétido de sentires. Durante anos. Os anos pequenos. Em que ainda não somos. Vamos-nos fazendo. Levando-nos ao sabor da vida. Curta. Sem saberes. E com poucos sabores.

Não sei o que viste.

Hoje vejo-me nos teus olhos. Um outro de mim. Que desconheço. Que quero ser. Mas no qual não acredito. E deixo-me levar por ti. Pelas tuas mãos que são sol. Contrárias às minhas de nevoeiro. Pelos teus cabelos que são mar. De encontro aos meus que são serra. Pela brancura da tua pele. Em contraposição ao escuro que no fundo... sou todo eu.

Por vezes tudo sangra. Outras tudo se extasia. Porque o menor dos homens - que sou eu - não é nada em face da luz. Onde toda a vida acontece.

E assim vou-te querendo. Querendo-me. Deixando-me levar.
Por ti. Em mim.

sábado, outubro 08, 2016

OFERTA

Minha mão escreve o teu nome. Nomeia-te à boca da caneta. Nos dedos trémulos. Que te conhecem. Que levam o teu nome para dentro de mim. Onde habitam os ecos de ti.

Contigo aprendi que a distância não importa. Não a distância física, que os pés anulam. Mas a distância tempo. O tempo que perece à mão da palavra. E que nos ensina. Que a palavra é veículo. Motor. Morte. Espinhos. Rosas ou sorrisos. Asa de gaivota. Maresia. É tudo o que quisermos. Tudo o que formos capazes.

Da palavra fazemos mundo. E o mundo faz-nos breves. Mas não em nós. Não em ti, nem em mim. Não naquilo que somos. Porque eu sou-te em muitas palavras. Porque eu quero-te minha noutras tantas. E para isso as folhas em branco. Que te ofereço. Para as tuas. Para que depois as faças minhas. No amor das coisas.

Fico à espera.

sábado, outubro 01, 2016

ÚLTIMOS MOMENTOS

Lentamente, um a um, fui colocando todos os toros. Até o cesto ficar vazio. Alimentei a combustão até ao fim. Como a nossa vida. Crepitava na lareira o último toro, já perto das cinzas, quando tu

- Amanhã vou embora.
Assim. Em vazio. Tal como o cesto. Sem nada mais para alimentar as chamas. Enquanto eu imóvel. Sem palavras. Olhando o que restava (de nós) do fogo. Remexendo-o nas entranhas em busca de um sentido. Sentindo-me - ainda que não to dissesse - as próprias cinzas.

No silêncio, levantaste-te e dirigiste-te ao quarto. A cama para uma última noite. Fria. Sem intimidade. Enquanto eu imóvel. Olhando o fogo que já não ardia. Remexendo as cinzas. Procurando-nos. Tentando saber onde nos perdêramos. Quando deixáramos de ser fogo.

Momentos.

Aos pés da cama, toda a vida arrumada. Duas malas apenas. Pouca vida para tanto tempo.
Enquanto na sala, em frente à lareira, o cesto vazio. Ainda a sonhar.

sábado, setembro 24, 2016

INTIMIDADE

Como uma carícia num manto de relva fofa, procurei as tuas mãos em pontas de dedos. Um ritual macio. Mecânico. Como hábito adquirido ao longo dos anos. Por vezes, era o bastante para que todos os sons se aquietassem. Havia apenas, aquele (pequeno) toque de pele. Sorrias. Por vezes olhavas-me. Outras, apenas inspiravas um pouco mais fundo. E eu sabia-te. Em comunicação muda. Em pele. E éramos brisa. Em tempo grande.

Depois vieram os pés. Sob os lençóis. Novo toque de pele. Pequeno. No silêncio. E éramos calor. Em tempo grande. Que pedia os braços. Que nos deixava em saber. Do outro. Mesmo na penumbra. Em escuro. E odores.

E entre nós as palavras. Sempre as palavras. As ditas. Em muitas horas. As que ficam por dizer - mas nunca por saber. E todas aquelas que não sendo nossas, nos dizem.

Somos matéria intemporal. Pele em doses pequenas. Em saberes. Em tempo grande.
Monólogos a dois. Em intimidade maior.

sábado, setembro 17, 2016

DIZER AMOR

Retenho sons de ti. Alguns articulados em palavras. Outros em gestos. Em pupilas dilatadas. Fixas. Em aconchegos. E quando te quero dizer Amor, são apenas gestos que penso. Na flor em cima da mesa. Na reticente vela. No odor da tua pele. Teu cerrar de pálpebras.

Sei-nos numa canção. Lá longe no tempo. Sei-nos numa praia em primeiro beijo. Em tempos de projectos. Sonhos. Medos também. Alguns. Sei-me num querer. Intenso. Imenso. E sei-me em ti. Em Amor. Esse. Que te queria dizer. Mas não consigo.

Como te posso dizer Amor, se é no silêncio que ele existe maior?

Como se escreve felicidade? Como se diz Instante? Entardecer? Brisa? Morada? Ou infinito? Numa voz? Em duas? Quantas vozes são precisas para (te) dizer? Não sei. As palavras são tão imperfeitas. Carregam tantos significados. Calma e serenidade não são a mesma coisa. E eu não sou essa coisa. Em significado. Ou em essência.

Eu sou tudo. A mão que te suporta na dor. O som da gargalhada que te eleva. E o ferro que (mesmo não querendo) te pode ferir de morte. Esse sou eu. Assim. Porque imperfeito. Como as palavras. Palavras. Muitas. Que dizem tanto. Mas que não servem para eu te dizer Amor.

Porque eu, quando digo Amor, é apenas uma coisa que quero dizer: Tu.

sábado, setembro 10, 2016

TODOS OS DIAS FOSTE OUTRO

Faz sete anos que chegaste.

Lentamente (como a árvore que cresce), foste entrando. E sem pedir permissão (assim como o tempo), foste ficando. Como uma hera foste-me enleando, enredando-me no costume da tua presença. E eu fiquei menos só. Já não sabia se era a mim que o sol beijava primeiro, ou se à tua presença em mim. Que já não me distinguia de ti.

O tempo foi passando. Tu foste crescendo. Em idade. E em mim.

E tu sempre cumpriste. Todos os dias foste outro. Com uma alegria genuína. Ímpar. Com as tuas palavras sempre frescas. Sombra de árvore. Chilrear de pássaro. Em palavras. Em afectos. Gestos indizíveis. Em colo. (porque não?) Em amor.

Eu sabia que este dia chegaria. Sabia que chegarias ao final da tua jornada e partirias. Qual pássaro em bando. Mas secretamente, mesmo sem saber, fui alimentando. A esperança. (embora te soubesse andorinha). Que o teu bando fosse de cegonha. E decidisses ficar.

Faz dois anos que partiste.

Todos os dias te lembro. Todos os dias te falo. Ainda que a tua voz não cá.
Depois de ti vieram outros. Vários. Nenhum ficou tanto tempo quanto tu. Nenhum me aliviou da minha solidão de ti. Nenhum outro foi água. Ou brisa. Nem deixou raízes. Foste único.

Todos os dias foste outro.
E eu, sem ti. Fiquei.

sábado, setembro 03, 2016

GRANDE O MAR

É grande todo este mar à minha frente.

Depósito de memórias. Alegrias. Temores. Tristezas também. Com fumo de cigarro. (de mim que não fumo). Os rochedos que tão bem conheço. O toque desta areia. Olhar longe.

Com aquele dia. Negro. Súmula de vida. Vim aqui para me perguntar. Para me encontrar. Sem saber se continuava. Ou desaparecia. Quando a tua voz rouca

- Estás sozinho?
Quando isso era de todo impossível. Tantas as vozes dentro de mim. Mas tu não sabias.

- Que fazes aqui?
E eu sem saber o que te dizer. Procuro-me. Mas não me encontro. Só. Perdido na tua voz. Rouca. E o meu silêncio. De pés enterrados na areia. Húmida. Em arrepio de frio.

Olhavas-me. Curiosa. Por entre os teus cabelos. Pretos. Longos. Ondulados. Misturados com a tua voz. Masculina. No teu corpo feminino. Bem trabalhado. Como a tua voz. Que me atraía.

Sentaste-te a meu lado e ficaste comigo a olhar o mar. Este. Todo. Grande. Que se estende à minha frente. Perguntei-me se seria o mesmo. O que tu vias. Quando uma gaivota ao longe. Teus olhos acompanharam-na. De encontro aos meus.

- Nunca te vi por cá. Costumas cá vir?
E eu ali. Todo nos teus olhos. Com toda a minha vida. Naquele momento acumulada. Em pressão. Entre as mãos. (estranhamente não me lembro das tuas) Com o meu corpo a responder por mim. No meu silêncio. No teu sorriso.

Afastado, um homem chamou-te.

- Tenho de ir. Sou a Laura. Estou sempre por cá. Aparece.
E de um salto correste em direcção a ele. Quando finalmente a minha boca em movimento. Para te falar. Dizer o meu nome. Despedir. Mas nenhum som.

Voltei. Várias vezes. Não mais te encontrei. E até hoje não sabes.
Que os meus dias não terminaram. Que continuo por cá. E ainda me lembro de ti.

sábado, agosto 27, 2016

O QUE FICA

Nunca é a mesma luz que me ilumina. Muda a cada dia que passa. A cada hora. Cada minuto. Como eu. Que já morri tantas vezes. E nunca é o mesmo eu que fica. Sempre outro. Como as sombras. Que se acumulam. Que não mudam. Amontoam-se. Espalham-se.

Já morri tantas vezes.
Lembro-me bem da primeira vez. Uma espingarda de pressão. Um pequeno pássaro na minha mira. O disparo. A queda. Do pássaro. E de mim. Ambos tombados no chão. Em agonia. E a interrogação na minha mente: Porquê? Mergulho em mim na procura de razões. A ausência do encontro. Devastação de ser. E nunca mais o mesmo.

Já morri tantas vezes.
Depois as pessoas. Várias. Muitas. Uma a uma. Em choque. Em dor. Cada uma delas levando um pedaço de mim. E as sombras a ganhar volume. A espalharem-se. E eu sempre na penumbra. Com alguma procura da luz. No meio do medo. Esse. Que me fala. No silêncio. Com silêncio. E nele eu sei. Eu sei que a loucura tem espinhos. Que constantemente me ferem. Que constantemente me tentam. E resisto.

E eu, que já morri tantas vezes, eu sei.
Sei que a vida inteira é um acto de deixar partir. Mas eu não gosto de partidas. Nunca estou preparado. Muito menos dessas. Sem momento de despedida. Dos outros. Ou de mim.

sábado, agosto 06, 2016

SEM MIM

Aqui estou eu outra vez. Frente a esta porta. Sempre a mesma porta. A chave na mão. Olhos no chão. Pés parados. Tudo tão pesado. A vida em atraso. Querer abraçar-te e não ter coragem. Aqui, todo eu sou nojo. E como que ardo por dentro. Chega-me o cheiro a café. Com ele a imagem da (nossa) cafeteira. E eu um fraco. A vida como justificação. Em mentira. Eu todo culpa. A tua imagem em mente. E por isso parado. Sem coragem para entrar. A imaginar-te em palavras:

- Correu bem no trabalho?
E eu com os olhos em fuga a responder-te que sim. Que o trabalho é muito. Por isso o chegar mais tarde. A mentira a pesar. E o medo que a vejas nos meus olhos. Mais ninguém me conhece assim. Tu em aproximação. E o receio maior:

- Que cheiro é este?
E eu não saberia o que te responder. Em denúncia. Por isso cheiro uma vez mais a minha roupa. Em procura. E só o meu cheiro. Em descanso. Junto com o cheiro a medo. Que só eu sinto. Pelo menos acho que é assim. Que só eu. O medo de tudo. E o desejar não o ter feito. Arrependimento. E o saber que amanhã será igual. É sempre igual. E o cheiro do café. E tu lá dentro. E eu fora. Em culpa.

Tivesse eu coragem. Seria outro.
Não sem ti. Nunca sem ti. Sem ela. Ou então… sem mim.

sábado, julho 30, 2016

DAS MÃOS

As pedras são locais de repouso. Nas sombras.
Sentados as mãos unem-se. Lugares de certezas. Em carícias.

Das tuas, eu falo-te em árvores. E tu sorris.
Pensas na força do tronco, enquanto eu te quero dizer da segurança das raízes.
Tu falas-me do meu rosto. E eu sorrio.
Penso em beleza, desconhecendo do que me queres dizer.

Ao cimo os pássaros. Com eles somos lugares de sonhos.
Não sabemos do que nos dizem no seu chilrear. Batem asas e mostram-nos liberdade.
Um nunca estar no mesmo lugar. Busca contínua.
Há um ninho perto de nós. E falas da vida a crescer.

Eu digo-te das tuas palavras. E tu sorris.
Pensas no conteúdo em sabedoria, enquanto eu te quero dizer do carinho em profundidade.
Falas do meu sorriso. E eu sorrio ainda mais.
Penso em meninice, desconhecendo do que me queres dizer.

Vida em conjunto. Duas peças de um mesmo jogo.
Cada um sabe o que o outro fala. Não sei se algum sabe do que o outro diz.
As palavras são como pássaros. Voam livres.
Mas carregam significados diferentes em cada um de nós.

Quando eu te digo amor, tu ouves êxtase.
Quando tu me dizes para sempre, eu ouço felicidade.

sábado, julho 23, 2016

AUSENTE

“Aqui em baixo não se vê o vento”
Como se o vento importante. Como se alguma vez o visses. Como se ele mais do que tu.

“Aqui em baixo tudo é frio”
Como se o calor uma força maior. Como se a temperatura toda a vida. Como se o frio em tudo mau.

“Aqui em baixo é escuro”
Como se a luz te prolongasse. Como se a luz a tua vida. Como se a luz fosses tu.

Dentro da caixa, tentavas encontrar-te. Ser em morte o que nunca foras em vida. Ter em pensamento o que nunca tiveras em emoção. Ser no silêncio o que nunca foras em palavras.

Dentro da caixa eras apenas tu. E ninguém verdadeiramente te conhecia.
Eras nada do que te diziam. Um ser desconhecido que todos julgavam conhecer. Repleto de virtudes. Carregado de predicados. Parco em defeitos. Do que diziam nada eras tu. Palavras de um outro ser.

Aí em baixo não há calor.
Aí em baixo não há luz.
Aí em baixo não se vê o vento.
Mas aí em baixo, o maior ausente, és tu!

sábado, julho 16, 2016

CORRES

Pés. Renúncia. Velocidade. Medo.

Equipado corres o vento. Colocas tudo quanto és nas pernas, e sais para te enfrentares. Todo tu és uma só coisa. Respiração. Todo tu és um só esquecimento. Em dor. Procuras o espírito do dia, mas apenas uma lírica estranha te assola. São teus os pés que te levam. São tuas as pernas que te carregam. Anatomia em funcionamento. Mas nunca são apenas tuas as vontades. Sinapses. Todas as coisas te forçam. Muitos os sonhos. Todos os pesadelos. Pálpebras que não (te) cobrem.

Há um silêncio único dentro de ti. Que te impele. Te conta os minutos e os quilómetros. Te mede a pulsação. E que te diz. Que tu não és nunca apenas tu. És também outros. Outra coisa. Outras coisas. Fora de ti. Há outros com que te cruzas. Mas não estão alinhados contigo. Tu és apenas tu. Em velocidade. Em medo. Medo de te cruzares contigo. De te encontrares dentro da tua fuga. Porque ninguém se perdoa. Nem o tempo o faz.

Os olhos em frente. É grande a loucura. É pura a dor. Minado o teu chão. Por vezes páras. Por vezes aceleras ainda mais. Porque são vivas essas outras coisas. Algumas mortas também. E tu és um lugar de loucura. Em pele. Em fuga. Imaginas-te em fim. Objectivo conseguido. Mas ele longe. E tu continuas. Em demência. Para conseguires ainda sorrir.

Porque só o esquecimento o permite. Em absoluto. Mas nunca tu.

sábado, julho 02, 2016

NÃO SEI POR ONDE

Cheguei e já não estavas.
Faz tempo, muito tempo, que te foste embora durante a minha ausência.

Atrás de ti, ficou a tua sombra. Misturada com a penumbra do nosso quarto. Não te seguiu. Optou por ficar aqui. Junto com o teu silêncio. Junto com todas as palavras que não nos dissemos. Junto com todos os abraços que não nos demos. Com a pasta dos dentes. Gasta (como nós). Vazia e sem tampa. No lixo.

Agora, há o silêncio. Há as mãos. Os gestos. E há os passos nas escadas (que não são teus). Em direcção a esta casa (que já não é tua). E há aquela pausa. Aquele breve momento entre o chegar, o rodar a chave, e o abrir a porta. Que agora, nunca é a desta (já não) nossa casa.

Cá dentro, são longos os corredores. Muitas as portas. Sempre estiveram abertas. E tu, sempre circulaste livremente por todas elas. Entravas quando querias. Saías quando te apetecia. Voltavas quando precisavas. Sem hora marcada. Sem necessidade de motivo. Porque aqui, simplesmente: éramos.

São muitas. As portas. E já faz tempo, muito tempo, que te foste embora durante a minha ausência. Até hoje, não sei por que porta saíste. Fechaste-as todas.

E eu, não o sabendo, não sei por onde te arrancar de mim.

sábado, junho 18, 2016

RETORCIAS OS MOMENTOS

O teu longo cabelo era um espaço de tempo.
Com a ponta dos dedos, nele, retorcias os momentos. Em movimentos circulares. Enrolando-os. Como se a circularidade concêntrica do gesto, fosse capaz de reter no seu centro (que eras tu) a magnitude dos segundos infinitos. Aqueles. Em que na tua pele, todos os momentos ocorriam e tudo te pertencia.

Retorcias os momentos, enrolando-os com os dedos.
Prendendo-os em ti. Encurralando-os no tempo. Não para que o tempo parasse. Mas para que o seu avanço não desfizesse a magia das marés. Nem do sonho (que era eu). Não o escrevias nas páginas porque o querias só teu. E as páginas são efémeras, mas o sentimento não. Dizias.

Retorcias os momentos e escrevia-los em ti.
Enquanto ao longe a gaivota. Enquanto em nós o pulsar e o sangue. E sorrias.

sábado, junho 11, 2016

QUASE

Olho-te no soslaio de uma certeza de quase te ter tido em completo, apenas para mim.
Na incerteza de um acidente que quase não aconteceu, ficou a certeza do choque que as tuas mãos provocaram no meu corpo.

Para mim, serás a eterna dúvida que o teu odor me dá. Como uma certeza.

Nas noites em que juntos quase dormimos, elevamo-nos a um estádio maior, nos lugares onde as mãos aconteceram. E na emoção das memórias quase diariamente revividas, surges como o todo de um sentir que, quase foi nosso.

E o mundo, que quase se vergou a nós e à explosão do que fomos, quase ficou deserto no grito que se soltou, quando tu te despediste de mim.

Eu, que quase morri no momento em que me apercebi que tu apenas quase ficaste, abandonei-me em prostração ao desvario dos meus pensamentos, em todos os momentos que, no mais fundo da tua ausência, quase te conseguia sentir.

E quase consegui ficar no mesmo lugar.
Mas a ausência dos teus sítios em mim, deixaram-me vazio ao ponto de quase não conseguir respirar o ar, daquele lugar que quase foi nosso.

E quase consegui continuar a fazer as mesmas coisas.
Mas os teus gestos impregnados em mim, quase me transmitiam a tua omnipresença, não me permitindo avançar.

E… quase consegui continuar a ser eu.
Mas eu quase não existia sem ti. Sem o calor do teu olhar. Sem o toque da tua pele. Sem o som do teu sorrir.

E foi então que me apercebi. Apercebi-me que não fazia sentido continuar apenas a quase viver.
Tu tinhas fugido para longe de mim. Levaras o teu corpo. O teu odor. O teu olhar. As tuas palavras. Todos os meus sentires e quase a minha sanidade, em todos os momentos que pensava:
… quase fomos “nós”!

E agora, que apenas em pensamentos existo, quase vivo em ti. Dentro de ti. Por ter sido esse o lugar onde me guardaste, quando soubeste que eu partira. Eu. Por não ter sabido viver. Sabendo que apenas quase te tinha tido!

E ironicamente, com isso, agora posso dizer que, finalmente:
… quase somos “nós”!

sábado, junho 04, 2016

PESO

É tremendo todo este peso que se apoia sobre os meus pés. Ando. Corro. Mas o peso é maior.
Tenho esta cabeça. A minha cabeça. Com tudo o que está dentro dela e teima em sair. E teima em ficar. Em me tomar. Como um todo. Minhas mãos querem ser mais. Maiores. Mas é o peso. Este peso. Que me domina. Olho em volta. Quero ser outro. Neste momento não quero ser eu. Outro. Um pássaro. Porque há pássaros livres. Sem peso. Mas não sou. Sou eu. Não sou pássaro. Sou chão. Peso. E raízes. E tudo isto que está dentro da minha cabeça. E não sai.

Há momentos tudo era alegria. Expectativa. Futuro. Ouro por cima. Neste momento tudo é peso. Tremendo. A grande roda da vida levou-me. Tirou-me de casa. E eu fui. Confiante. E agora não me encontro. Procuro-me. Não sou eu. Não percebo. Não me percebo. Não me quero. Quero-me outro. Mas não o sou. Continuo. Ao fundo vejo um rio. Parece fluir. Correr em direcção ao mar. Seu fim. Sinto-me na corrente. Com o percurso já completo. No fim. Mas não estou. Trago-me para cima. E permaneço. E as palavras não são nada. Nada mudam. Mas são tudo o que me resta. E por isso elas. Na boca. Em desagrado. Em desgosto. Na distância. Mas única coisa. Como coisa única.

Quero sair. Desaparecer. Mas não posso. E continuo. E permaneço. E sou eu.

sábado, maio 28, 2016

NÃO HÁ HERÓIS

Digo-te do meu passado porque do futuro não sei.

Sou do tempo em que não havia heróis. E eu também não o sou. O escuro continua a ser ele mesmo. Com tudo. Todas as sombras. Todos os mistérios. Todos os medos. Vejo-me deitado. Na minha cama. Com a porta aberta, a cabeça coberta e a luz acesa. Para os afastar. A eles. Aos (meus) medos. Mas sabes, eu sabia que eles não iam embora. Eu sabia que continuavam lá. Todos. Escondidos na luz. À minha espera. Porque eu nunca fui um herói. Fui sempre só um somatório de medos. Todos os medos. Na luz. Cheio de sombras escondidas.

Depois tu. O ter de crescer para ti. O ter de ser forte para ti. E contigo fui-os esquecendo. Arrumados. Em gavetas. Mas sabes, hoje tenho ainda os medos. E para além deles, um medo maior. O medo de chegar e já não seres tu. O medo que me esqueças. Porque é tanto o que já esqueceste. O pano em cima da mesa. Os medicamentos na caixa. O almoço. As horas. Até de ti. Só resto eu. E tenho medo.
E agora não adianta cobrir a cabeça, abrir a porta, nem acender a luz. Não resulta. Não funciona com este medo. Embora acenda a luz por diversas vezes - para ver se estás. Embora deixe a porta aberta - para poderes circular. Embora cubra por vezes a cabeça - para ficar mais junto a ti.

Um dia (breve) sei que serei eu. Sei que irei chegar e já não irás estar. Não vais ser mais tu. Não irei ser mais eu para ti. E eu, que não sou um herói. Que sou apenas um somatório de medos, a saltar das gavetas. Eu não sei. Como vou conseguir viver, sem mim, em ti.

sábado, maio 21, 2016

PEDIAS-ME PALAVRAS

“Dá-me palavras” - pedias-me tu.
Como se dar-tas, fosse simplesmente o resultado do desfiar do novelo.
Como se no centro do nosso abraço, tudo incompleto pela falta dessas palavras.
Como se as palavras maiores que tudo o de nós. Que o toque dos dedos. O olhar. Ou o silêncio.

“Dá-me palavras” - insistias.
E as palavras cada vez mais fundo. Cada vez mais doídas e tristes. Cada vez menos importantes. Ou com sentido. Enquanto morriam em mim os sentidos de nós. Por inúteis. Por não transmitirem mais que as palavras. Essas, que tu tanto querias. Enquanto nos diluíamos…

“Dá-me palavras” - ultimaste.
E em mim só silêncios. Em rebuliço. Em atropelo. Numa guerra muda de letras e significações. Onde, por não saberes ler toda a poesia contida no silêncio de um beijo, uma única palavra foi ganhando vida. Ficou maior. Única possível. Única. Palavra. Parei. Olhei-te. E a minha boca articulou: Adeus.

sábado, maio 14, 2016

TU NÃO SABES

Tu não sabes Pai, porque eu nunca te disse.

Não sabes dos meus dias infinitos. Das dores negras. Maiores. Insensíveis. Partes de mim que desconheço. Das dores fora de mim. Por vezes, doem-me as paredes. Em espasmos de cal. Luz fulminante. Raio sem trovão. Coisas de existir onde não estou. Nunca te disse do negro do medo. Este medo que tantas vezes me faz. Me é. E no qual eu (me) sou todo. Só. Medo. Há sementes plantadas em mim. Em explosão. Há corpos e vozes dentro de mim. Indomáveis. Em sustos descontrolados. Tenho as mãos, os pés, e por vezes não sei o que fazer com eles. Não ando. Dói andar. Não penso. Dói pensar. Em esgar. Em profundo. Nunca te disse que os meus olhos me mostram coisas em privado. São únicas. Minhas. Só deles. Corredores arqueados. Escadas em movimento. Pequenas trevas. Há o chão, o tecto, mas a ordem não é essa e eu também não tenho ordem. Sinto-os respirar. Vibram a cada inspiração e eu tento agarrar-me. A eles. A essa respiração que cumpre a minha. Que eu já não a consigo sozinho.

Tu não sabes Pai, porque eu nunca te disse.

Não sabes que vivo em contínua procura de mim. E cada passo dado é em direcção a ti. Para me encontrar, é a ti que procuro. A cada dor, é a ti que procuro. A cada delírio, é a ti que procuro. A cada não, é a ti que procuro. Em silêncio. Sem palavras. Por vezes, mesmo sem te procurar. Em espelho. Para (te) me ser. Mas vive alto o teu olhar. É longe o teu chão. E tu não estás. Tu nunca estás. E eu nunca me encontro. E permaneço.

sábado, maio 07, 2016

VOLTO SEMPRE AQUI

Era domingo e como em todos voltava. Para a refeição. Para o degustar dos sabores da infância. Para te encontrar comigo. No tempo. Nos teus braços. Na tua ingenuidade genuína. No teu querer de mim da forma que só tu querias. Num pleno. No todo de um sorriso com os olhos a brilhar. Mesmo que com todas as perguntas e olhares exploratórios. Mesmo que com todas as observações. Visões de um olhar único. Só teu. Só possível de ti. Porque havia palavras que só tu as sabias dizer. Aos pares. Havia gestos que só tu os tinhas. Sem tempo. Eras matéria. Eras espírito. Eras todas as imagens do meu passado e lá, tu estavas em tudo. Em cada chegada a casa. Em cada queda. Em cada choro, mas também em cada alegria. Na tua forma. Que não era a minha. Nunca foi. Mas era isso que a fazia única. Tua. Apenas. E para mim.

Hoje, já não é domingo. Tu já não estás. Apenas as molduras que te fazem imagem. Não presença. Vestígios. Remanescências de ser. Em passado. Existência em segundo plano. Os móveis mudaram. Alguns. Os sons mudaram. Alguns. Os sabores mudaram. Todos.

E no entanto, volto sempre aqui como quem entra na casa primeira. No útero. No amor. Nesse amor primeiro. Desmesurado. Sem fronteiras. Impossível de explicar ou sequer de entender. Volto sempre aqui. Sempre. A este sítio, onde mesmo tu não estando, tu és. Sempre serás (pelo menos em mim). Neste sítio. Não noutro. Não quero outro. Quero-te aqui. Assim. Onde sempre volto. Para de novo, me aninhar em ti. Mãe.

sábado, abril 30, 2016

DE NOVO

Tinha(mos) tudo.
As mãos, o cabelo, os olhos.
Tempo em que acontecia(mos). E era(mos).

Naquele tempo tinha(mos) tudo.
A pele do teu pescoço. O toque dos teus dedos. O silêncio dentro do mundo.
A minha voz nomeava-te para descrever a beleza. E eras tu. E eu era em ti.

Naquele tempo tinha(mos) tudo, e eu perdido. No teu mistério.
Diferente todos os dias. Vontade de nascer a cada manhã. No teu rosto.
Sem palavras. Em ameno. A sentir cada pedra. O voo de cada ave. Cada pétala.

Naquele tempo tinha(mos) tudo e depois, a vontade dos nomes. Dos lugares.
A vontade de tudo em tudo. Os quereres. Tantos. Todos. Perdemo(-no)s.
Recolhe(mo)s as mãos. Cortas(te) o cabelo. E os olhos, são lugares de frases que (já) não dizes.
Somos coisa sem mistério. Vale(mos) quase nada.

Apaga a luz.
Deixa que o som da noite entre no quarto. Ele anda solto pelas ruas. Em busca (de nós).
Dá-me o teu nome. Deixa que o respire. Deixa que com ele eu seja. Te (re)encontre.
Deixa que o abrace. Que o tome como meu (outra vez). Por dentro de mim.

Apaga a luz.
Deixa a máscara do olhar. Não preciso dela para os teus aromas. Pálpebras. Texturas.
Conheço de cor todos os (teus) caminhos, brisas e silêncios. Neles tudo acontece.
Somos futuro. Amanhecer.

Apaga a luz.
Deixa(-nos) tudo acontecer. De novo.

sábado, abril 23, 2016

AO TEU ENCONTRO

Cheguei para sempre a este lugar que és tu. À minha frente o vazio e lá em baixo, a esperança última de te reencontrar. A brisa corre-me entre os dedos. Esses que metia por entre os teus cabelos. No aroma deles. A textura que me afagava. Eu procuro dizer-me que tudo é agora outra coisa. Penso. Mas tudo é menor que a certeza da tua ausência. Essa que trago tão presente em mim e me enche de tanto nada. Os teus braços. Pequenos, doces, em aperto. À volta de mim. E o meu pescoço agora tão só. Tão absoluto de brisa. A tua morte a passar de boca em boca. Os olhares para mim. Sei que todos imaginam a sua própria dor. A dor que é minha e que ninguém quer sentir. Mas ela é minha. Habita-me. Preenche-me. Não deixa lugar sequer ao teu respirar. Penso-te. E a memória de ti não é maior que a tua ausência. Tenho-te. Desde o início de ti que não sou mais apenas eu. E por vezes estou em frente ao espelho como se morresse. Antes morresse. E agora estou aqui como se não fosse mais acordar. O barulho dos carros atrás de mim. Por vezes tudo se ilumina. No pensamento a tua luz abarca todas as minhas sombras. Líquidas. Perenes de ti. Caminho sozinha. Procuro-me procurando-te. Não te encontro. Nunca te encontro. E no entanto, tu sempre em mim. Absoluto. Nasceste-me no dia em que te dei à luz. Conheci-me. Extasiei-me. Elevei-me acima de mim. Conheci um novo existir. O meu existir. Não mais nunca sozinha. Não mais nunca apenas eu. O verdadeiro nós nasceu contigo. Linguagem Amor. E agora eu. Apenas eu. Só eu. Tenho a morte. À minha frente o vazio e por entre os dedos esta brisa. Brisa que me empurra os pés. Brisa que me eleva as pernas e a vedação a não mais existir. A ficar para trás. O barulho dos carros a tornar-se longe. Lá em baixo a esperança única de te encontrar. E eu quero tanto encontrar-te. Uma vontade absoluta. Com ela abarco o mundo. Todo o mundo. Porque é de vontades absolutas que o mundo precisa. É de vontades absolutas que tudo avança se constrói e nasce. E eu preciso renascer. Eu preciso nascer de novo contigo. Mas tu já não és. E eu preciso de também não ser para te encontrar. Lá em baixo a esperança. Neste lugar que és tu. Lembro os espelhos em que tu não estás. Cedo à brisa que agora me empurra. Sinto-me pouca coisa. Sinto-me feita de brisa. O vazio por baixo. As minhas mãos vazias. E nada mais existe senão nós. Tu que já não és mais. Eu que quero não ser. E o tempo. O tempo que nos separa na viagem. A lembrança total das coisas. O querer esquecer. Mas o ver-te. O caminho é leve mas no entanto o tempo. Nada mais nos separa senão o tempo. Falo. Grito o teu nome para dentro de mim. Para a brisa. Quero desesperadamente encontrar-te de encontro ao meu peito. Onde há muito estás. Olho em volta. Apenas trevas e pontos de luz. Riscos de luz e ao fundo a água. Já sinto o aproximar líquido. Infância. A brisa que percorre o meu corpo em queda. Tu que és tanto e eu que não sou nada. Um lugar vazio na memória de ti. Demência. Lugar de esquecimento todo este espaço. Penso. O teu riso. Memória de sons em rigor. Matéria mágica de bem saber. Dor. O meu corpo em estremeço. Linguagem Amor. Dor. A madrugada em movimento. Eu em movimento. Ao teu encontro. Digo-me em queda mas não me sei. Tu ao fundo mas não te vejo. Terror do fim. Imagino-te de braços abertos à minha espera. Perdoa-me. Preciso que me perdoes. Não fui suficiente para ti. Morreste. Eu em movimento ao teu encontro. Terror. Medo que não estejas porque não te vejo. E eu preciso que estejas. O fundo já muito perto. E eu sem te ver. Fecho os olhos. Agora a brisa é apenas um querer. E de repente: a água um estar. Cheguei. Não te vejo. Sangro. Não estás. O rio é masculino.

sábado, abril 16, 2016

TEU NOME

Olho-te, e de ti nada sei.
Quem és. O teu nome. Os caminhos até aqui.
É melhor assim (penso). Passos anónimos. Página em branco.

Não digas nada.
Trarias dores. Cicatrizes. Mágoas a escorrer pelas paredes. Rostos emoldurados.
Palavras Cruas. Invernos e outras ausências.
Falarias de outros nomes em corpos que desconheço.
Braços em força, talvez. Ou sorrisos em ferida. Escuros.

Não me digas nada. Quero-te assim:
Vislumbre de primeiro olhar. Em infância. Corpo anónimo. Em segredo.

Se quiseres, conta-me mentiras enquanto te aconchegas nas minhas palavras.
Nelas tudo é real. Podes concretizar-te. Em desejos. Vontades. Em futuro.
No que não foste. No que queres ser. Noutra vida ou até mesmo na tua. Não sei.
Do teu passado apenas os teus olhos. Profundos. E as tuas mãos. Trémulas.
Que não falam. Dizem de ti. Noites.

Não. Não me digas nada. Deixa ficar assim.
Sem mordaças nem palavras impossíveis. Sem enganos. Sem tabus.
Deixa que o nós aconteça. Que os teus lábios falem os meus. Apenas.

Não quero o engano do teu nome. Em esquecimento.
Já basta o (frio) destino. Que nunca se esquece.
E nunca se engana no nosso nome.

sábado, abril 09, 2016

FOMOS

Preenchi todas as rugas e arranjei cada fio de cabelo. Revi o meu léxico. Anulei a pronúncia, e levei em mãos todas as palavras para ti.
Falei-te. Disse-te do amor. Mas tu (já) não eras mais do que um amontoado de silêncios. Em acumulação. Delírio de significantes. Por saber.

O pão permanecia em cima da mesa. Semi-cortado. A mesa era a mesma e o banco também.
(tábuas velhas - dizias tu). E eu, olhando para elas, só nos via em vida. Tu: o pão fresco, saboroso, ainda morno. Eu: A mesa que te dava suporte. E o banco(?), algo que estava por ali. À procura de se encontrar.
Delírio (meu) de significados.

Tu eras o pão, a mesa e até a própria faca. Tu própria. Apenas. Só. Em autonomia. Não nós.
E eu, mais não era senão o banco. Perdido. Sem função (para ti). Na tentativa de me encontrar. Em significados.

Parei. Olhei-nos no tempo e vi-nos em unidade. Em alegria e carinho. Em toque e pele. Lábios em sorriso. Uma casa única, audível, sensível. Líquida. Quadro distante de uma realidade alheia.
Falei-te. Gritei-te para dentro da pele. Mas eram os teus silêncios que habitavam dentro de ti. Não eu. Não as minhas palavras que não te alcançavam. No profundo.

Pensas. Olhas-me. E de ti monossílabos. Palavras nuas. Isoladas. Em ardor e escudo terrífico. Habitas um lugar longínquo. Em abismo. Conjunto penumbra, lento de várias mortes. Onde não estou. Nunca estive. Nem o banco. Nem tu.

sábado, abril 02, 2016

NUNCA EM MIM A RÉSTIA DO TEU NOME


A paixão é já uma palavra antiga na memória do meu corpo, e a luz que sempre trazias e com que me multiplicavas é a mesma que agora me divide. Fala-me. Chama-me. Mas não me digas do meu nome na tua boca. Porque há na boca palavras aninhadas. Empedernidas pelo tempo. Que não querem ser proferidas de viva voz. Eu digo-te: a minha luz és tu. Mas o que é a luz? Por que palavras se mede o tempo da paixão? Tu não sabes. Sempre adormeceste primeiro e era eu quem me perdia no tempo da contemplação. Sonhavas longe enquanto repousavas das curvas do meu corpo. E eu era o sonho.

Passa ao longe um barco. Devagar. Eu seguro a luz com ambas as mãos num abraço total dos momentos. Mergulho em mim. Já não te sinto. Divido-me. Divides-me. E no frapé ainda a garrafa virada. O gelo derretido no tempo futuro e os copos em ausência. Fragmentos de passado. Como tu. Sou agora um corpo de ausências absolutas. Que te imaginam. Que te sonham. Que gritam baixo o teu nome na sombra dos lençóis, cansados dos dias e das noites em branco. Sem os teus lábios no meu ouvido à boca da noite. Sem as tuas palavras no meu ventre. Sem a réstia do teu nome no meu.

É fria esta luz. Está escuro. E tu agora és só sombra. E tempo. Em falta.

(foto: Mandrake)