terça-feira, maio 29, 2007

A Minha Vontade

Porque EU sou ASSIM!

Porque a minha vontade tem o tamanho de uma lei da terra.

Porque a minha força determina a passagem do tempo.

Eu quero.

Eu sou capaz de lançar um grito para dentro de mim, que arranca árvores pelas raízes, que explode veias em todos os corpos, que trespassa o mundo.

Eu sou capaz de correr através desse grito, à sua velocidade, contra tudo o que se lança para deter-me, contra tudo o que se levanta no meu caminho, contra mim próprio.

Eu quero.

Eu sou capaz de expulsar o sol da minha pele, de vencê-lo mais uma vez e sempre.

Porque a minha vontade me regenera, faz-me nascer, renascer.

Porque a minha força é imortal.


(José Luís Peixoto in “Cemitério de pianos”)

quarta-feira, maio 23, 2007

Aniversário

Hoje é o dia do meu 37º aniversário.

Mais um,
E como já não são poucos,
Nada de novo.

Nada de novo, a não ser...
Uma ausência.

Uma ausência Grande,
E muito Sentida!

Este ano,
Pela primeira vez,
Não vai haver aquele telefonema,
Não vai haver aquele bolo caseiro,
Não vai haver a habitual camisa de prenda...

Por isso este ano,
Dedico por inteiro esta minha celebração,
Aos obreiros da minha existência,
E em especial,
À minha Mãe!

E porque as palavras hoje,
Custam a passar da garganta,
Vou usar as de outro,
Mas que tão bem,
Espelham as minhas.

Para ti, Mãe, que com os teus olhos, me viste nascer,
De mim, Mãe, que com os meus olhos, te vi morrer:

Palavras para a minha Mãe

Mãe, tenho pena. Esperei sempre que entendesses
As palavras que nunca disse e os gestos que nunca fiz.
Sei hoje que apenas esperei, Mãe, e esperar não é suficiente.

Pelas palavras que nunca disse, pelos gestos que me pediste
Tanto e eu nunca fui capaz de fazer, quero pedir-te
Desculpa, Mãe, e sei que pedir desculpa não é suficiente.

Às vezes, quero dizer-te tantas coisas que não consigo.
A fotografia em que estou ao teu colo é a fotografia
Mais bonita que tenho. Gosto de quando estás feliz.

Lê isto: Mãe, amo-te.

Eu sei e tu sabes que poderei sempre fingir que não
Escrevi estas palavras. Sim, Mãe, hei-de fingir que
Não escrevi estas palavras, e tu hás-de fingir que não
As leste. Somos assim, Mãe, mas eu sei e tu sabes.

(José Luís Peixoto in "A Casa, a Escuridão")


segunda-feira, maio 21, 2007

Penso-te (Domar o pensamento – Parte I)

Como um respirar,
Automático,
Autónomo,
Necessário à vida:
Hoje, eu penso-te.

Como uma brisa morna,
Que me aquece num dia de frio,

Como um raio de sol que me espreita,
Por entre nuvens densas de chuva,

Como o reflexo do luar espelhado no mar,
Que me brinda surpreendentemente,
No final de uma curva,

Como o destino a atingir,
No final da viagem que já vai longa,

Como a voz que quero ouvir,
Do outro lado do toque do telefone,

Como tudo aquilo,
Que me surpreende,

Como tudo aquilo,
Que me agrada,

Hoje,
Eu penso-te!

Penso-te,
E penso naquela noite.

Penso-te,
E penso nos teus beijos,
Que não me mataram a sede de ti,
Mas que a aumentaram à medida que ocorriam.

(E sinto a tua boca ainda na minha…)

Penso-te,
E penso na tua pele,
Onde cada passeio de lábios,
Incentivava mais uma viagem.

(E consigo sentir ainda o teu sabor…)

Penso-te,
E penso no teu pescoço,
Que em cada arquear se expunha,
Convidando a mais um saborear.

(E seu odor ainda me invade…)

Penso-te,
E penso nos teus lóbulos,
Transformados em centro de prazer,
Onde a minha língua se deliciou.

(E ainda ouço a tua voz a dizer para parar,
Num tom, revelador do desejo que continuasse…)


Penso-te,
E penso nas tuas palavras soltas,
Frases de desabafo e desejo,
Largadas em sussurro para a noite.

(E o meu peito ainda se enche,
Por saber o prazer que te proporcionava…)


Penso-te,
E penso nos teus olhos,
Que se cerravam para cada sentir,
De forma mais intensa e profunda fluir.

(E ainda vejo as pálpebras no seu caminho lento,
Uma de encontro à outra…)


Penso-te,
E penso no teu corpo,
Trémulo a cobrir o coração que palpitava,
Quando naquela noite, os dois fomos um.

(E só desejava poder abraçá-lo de novo…)

Penso-te,
E penso nas tuas mãos,
A percorreram-me para te sentir,
E a de forma leve e suave,
Me acariciarem para por fim dormir.

(E a minha pele arrepia-se no seu caminho imaginado…)

Penso-te,
E penso nos teus braços,
Entrelaçados nos meus,
Quando deitados, voltados para a janela,
Vislumbramos o céu pintado,
Com as cores do sol a nascer.

(E ainda hoje quando fecho os olhos,
É sempre essa, a última imagem do dia…)


Penso-te,
E penso naquela noite,
Que sendo só nossa,
Não queria acabar.

(E que por mim se repetiria diariamente,
Até à noite de hoje e para todo o sempre…)


Penso-te,
E quero-te pensar!

Lembro-te,
E quero-te lembrar!

Pois não te tendo,
Pensar-te,
É sentir-me vivo,
É sentir o sangue a correr-me nas veias,
É sentir o palpitar incontrolado no peito,
É sentir arrepio de pele,
É sentir odor de desejo,
É sentir tudo!

Mesmo não tendo nada!

Optei por Sorrir (Domar o pensamento – Parte II)

“O nosso lugar na vida um do outro, já está ocupado!”

Foram as últimas palavras que ouvi de ti,
Antes de virares costas e seguires o teu caminho,
Que não era o meu.

E eu,
Que fiquei na solidão daquele quarto,
Mal podia conter a fúria e a dor,
Porque acima de tudo,
Tu tinhas razão.

E seguiram-se dias de lágrimas,
Dias de dor incontida,
Dias de mágoa e incompreensão,
Dias de sol a brilhar para os outros,
Dias de tempestade, a ocorrerem só para mim.

E eu, já não era eu.
Eu, era somente e apenas,
A minha enorme vontade de ti.

E um dia que me cruzei com o espelho pensei:
“Tu não és isto! Porque estás assim?
Porque apenas choras e és cinzento?
Porque apenas lamentas o que não tens?
Porque apenas pensas nela?”

E a resposta veio simples e clara:
Eu vivia na angústia e na tristeza,
Por não te ter!

Mas porquê?

E uma vez mais,
A resposta veio simples e clara:
Porque tu,
Foras simplesmente,
O melhor que jamais tivera!

E então,
Vou viver assim para sempre?
E vou passar o resto dos meus dias,
Num lamento?

NÃO! Disse-me eu!

Se tu foras o que de melhor tivera,
Porque razão,
Apenas dor ficara?
Porque razão,
Apenas a tua despedida,
Apenas o teu adeus,
Apenas a tua ausência,
Era sentida agora?
Era pensada agora?

E então,
Recuei o meu pensamento,
Para o período anterior à tua partida.
Como quem desfolha um velho álbum de fotografias,
Recuei o meu pensamento,
Para os momentos que passamos juntos,
Para o carinho que nos demos,
Para os gestos que partilhamos,
Para o ar que juntos respiramos,
Para as músicas que dançamos,
Para os berros que juntos gritamos,
Para as loucuras que juntos cometemos,
Para…
Tudo aquilo em que,
Eu fui feliz contigo,
Durante o tempo que passamos juntos.

E então,
Ao recordar esses tempos,
Um sorriso formou-se de novo nos meus lábios,
Uma calma apoderou-se de novo de mim,
E o peito encheu-se,
Não de raiva,
Não de dor,
Não de peso,
Mas…
De uma profunda, sentida e saudável…
Saudade!

E o sorriso manteve-se.

E hoje,
De cada vez que penso em ti,
Oriento o pensamento,
Para todos aqueles momentos de prazer,
Que juntos passamos e vivemos.

E hoje,
De cada vez que penso em ti,
Revivo aquilo que de facto foste para mim:
O melhor que jamais tive!

E no silêncio de mim,
E em cada música ouvida que partilhávamos,
E em cada livro que juntos devoramos,
E em cada restaurante em que degustamos,
E em cada por do sol que vislumbro,
E em cada luar espelhado no mar,
E em cada céu pintado
Com as cores do raiar de um novo dia…

Eu sinto-te,
De facto,
Como o que de melhor me aconteceu,
E…

…SORRIO!

sexta-feira, maio 18, 2007

Arte poética


O poema não tem mais que o som do seu sentido,
A letra p não é a primeira letra da palavra poema,
O poema é esculpido de sentidos e essa é a sua forma,
Poema não se lê poema,
Lê-se pão ou flor,
Lê-se erva fresca e os teus lábios,
Lê-se sorriso estendido em mil árvores ou céu de punhais, ameaça,
Lê-se medo e procura de cegos,
Lê-se mão de criança ou tu, mãe,
Que dormes e me fizeste nascer de ti para ser palavras que não se escrevem,
Lê-se país e mar e céu esquecido e memória,
Lê-se silêncio,
Sim,
Tantas vezes, poema lê-se silêncio,
Lugar que não se diz o que significa,
Silêncio do teu olhar de doce menina,
Silêncio ao domingo entre as conversas,
Silêncio depois de um beijo ou de uma flor desmedida,
Silêncio de ti, pai,
Que morreste em tudo para só existires nesse poema calado,
Quem o pode negar?,
Que escreves sempre e sempre,
Em segredo,
Dentro de mim e dentro de todos os que te sofrem.

O poema não é esta caneta de tinta preta,
Não é esta voz,
A letra p não é a primeira letra da palavra poema,
O poema é quando eu podia dormir até tarde nas férias do verão e o sol entrava pela janela,
O poema é onde eu fui feliz e onde eu morri tanto,
O poema é quando eu não conhecia a palavra poema,
Quando eu não conhecia a letra p e comia torradas feitas no lume da cozinha do quintal,
O poema é aqui,
Quando levanto o olhar do papel e deixo as minhas mãos tocarem-te,
Quando sei,
Sem rimas e sem metáforas,
Que te amo,
O poema será quando as crianças e os pássaros se rebelarem e,
Até lá,
Irá sendo sempre e tudo.

O poema sabe,
O poema conhece-se e,
A si próprio,
Nunca se chama poema,
A si próprio,
Nunca se escreve com p,
O poema dentro de si é perfume e é fumo,
É um menino que corre num pomar para abraçar seu pai,
É a exaustão e a liberdade sentida,
É tudo o que quero aprender se o quero aprender é tudo,
É o teu olhar e o que imagino dele,
É solidão e arrependimento,
Não são bibliotecas a arder de versos contados porque isso são bibliotecas a arder de versos contados e não é o poema,
Não é a raiz de uma palavra que julgamos conhecer porque só podemos conhecer o que possuímos e não possuímos nada,
Não é um torrão de terra a cantar hinos e a estender muralhas entre os versos e o mundo,
O poema não é a palavra poema porque a palavra poema é uma palavra,
O poema é a carne salgada por dentro,
É um olhar perdido na noite sobre os telhados na hora em que todos dormem,
É a última lembrança de um afogado,
É um pesadelo,
Uma angústia,
Esperança.

O poema não tem estrofes,
Tem corpo,
O poema não tem versos,
Tem sangue,
O poema não se escreve com letras,
Escreve-se com grãos de areia e beijos,
Pétalas e momentos,
Gritos e incertezas,
A letra p não é a primeira letra da palavra poema,
A palavra poema existe para não ser escrita como eu existo para não ser escrito,
Para não ser entendido,
Nem sequer por mim próprio,
Ainda que o meu sentido esteja em todos os lugares onde sou,
O poema sou eu,
As minhas mãos nos teus cabelos,
O poema é o meu rosto,
Que não vejo,
E que existe porque me olhas,
O poema é o teu rosto,
Eu,
Eu não sei escrever a palavra poema,
Eu,
Eu só sei escrever o seu sentido.

José Luís Peixoto
(in A Criança em Ruínas)

segunda-feira, maio 14, 2007

Esta noite


Esta noite,
Vamo-nos despir do mundo.
Vamo-nos despir de conceitos,
Preconceitos e pensamentos feitos,
E vamos apresentar-nos de alma nua,
Um, perante o outro.

Esta noite,
Pega-me pela mão,
Leva-me até um lugar sobranceiro de ti,
E vislumbra-me com a visão,
Da tua alma,
Dos teus pensamentos,
Dos teus medos,
E dos teus sonhos.

Esta noite,
Permite-me que me funda em ti,
E em ti materialize,
A forma de saciar,
Os teus mais íntimos desejos,
A forma de anular,
Os teus mais profundos medos,
A forma de realizar,
Os teus mais profundos sonhos.

Esta noite,
Faz de mim o rastilho,
Que origine que tudo aconteça,
E que em nós sempre permaneça,
De forma que nenhum dos dois esqueça,
O tudo que vivemos e existiu,
Só para nós nesta noite,
Em que nem o luar nos viu.

Esta noite,
Vamos esquecer nomes e corpos,
Vamos ser únicos no nosso espaço,
Vamos mergulhar em nós próprios,
E lambuzar-nos um do outro,
Até que a satisfação e o cansaço,
Sejam maiores,
Que o desejo e a vontade.

Esta noite,
Que é apenas nossa,
Tudo nos é permitido.

Abusa de mim!

quinta-feira, maio 10, 2007

Falo-te como te Beijo


Falar-te como te beijo,
É sentindo em cada sílaba
Sussurrada ao teu ouvido,
O odor e calor que de ti emanam,
Que me embriagam os sentidos
E me aceleram o pulsar
Com a cadência de cada palavra,
Impossível de conter na minha boca.

Falar-te como te beijo,
Torna-se impossível,
Quando ao toque do teu cabelo,
Se elevam quereres de outros sentires,
Em que o toque das tuas palavras nas minhas,
Aquecem-me o ser,
E geram o querer,
De tudo,
Ser possível acontecer.

E tal como com o dançar das nossas línguas,
As palavras assumem o controlo do corpo,
Que solto procura o do outro,
Num encontro de encaixe perfeito,
Numa dança que aquece e endoidece,
Em que a simples imagem de ti,
Num momento de magia feito,
É tudo o que me enlouquece,
Assim… só por si.

E no momento em que,
As sílabas dão lugar às palavras,
Elas passam a ser meros sons,
Que passeando-se pelo corpo,
Num movimento único e sem igual,
Nos levam ao êxtase do momento,
Provocando um arrepio único de ser,
No qual tudo estava por acontecer,
Sentindo que de tudo vale o intento,
Do procurar pela palavra imaterial,
Lá, onde ela acabou por acostar,
Por ali, tanto gostar de estar.

E quando tudo terminar,
Então sim, vou-te abraçar,
Bem forte nos meus braços te apertar,
E quando de seguida, olhos nos olhos te fixar,
Tal como tu, sei que os vou sentir,
Num contínuo latejar, a pedir,
Para no ouvido de novo puder ouvir,
O teu beijo, a sussurrar!

segunda-feira, maio 07, 2007

Grito Contido


Há um grito contido,
Que continua ainda por dar,
Anda pelo meu ser perdido,
Continua a fazê-lo sangrar.

Há um grito contido,
Que dentro de mim ecoa,
É o maior som já ouvido,
Desde que me sei como pessoa.

Há um grito contido,
Que te pede libertação,
Quando num gemido sentido,
Roga pela tua mão.

Há um grito contido,
De uma força sobrenatural,
É uma libertação de alma,
De uma liberdade sem igual.

Há um grito contido,
Que quero e preciso dar,
Nele jazem as minhas capacidades,
E até desejos de continuar.

Há um grito contido em mim,
Que apesar do meu querer,
Deixa-me prostrado assim.
Por aqui dentro se manter.

Prisão de som nos momentos,
Que minha garganta encerra,
Prende-me até os movimentos,
A boca abre-se, mas não berra!

E este grito,
De sentires feito,

Este grito,
De significados carregado,

Grita as dores e os prazeres,
Grita os desejos e os quereres,
Grita a loucura e a insanidade,
Grita a busca pela tua verdade,
Grita o chão que em mim pisas,
Grita os sonhos que me realizas,
Grita o sangue que rápido corre,
Grita a lágrima que escorre,
Grita o corpo que em mim treme,
Grita a dor que ainda geme,
Grita a raiva num ser contida,
Grita o nunca querer a tua partida,

Grita enfim,
Tudo aquilo que em mim,
Por ti existe,
Quer,
E pede.

Vem,
Traz-me de volta a paz,

Vem,
Só tu disso és capaz.

Vem,
e…

GRITA COMIGO!!!